minimalismo digital e porque todo mundo tá com medo de sentir tédio

sim, esse post é mais uma reflexão aleatória sobre economia da atenção.

(a última que fiz tá aqui)

se você chegou até aqui, você não pode me julgar… você tá lendo um blog que não foi escrito por IA, assim como faziam os maias e os astecas. talvez slow content ainda faça sentido pra alguém, sei lá.

mas vamo lá! hoje eu queria falar do livro de um cara chamado Cal Newport, um professor estadounidense de Ciência da Computação, que trabalha com algoritmos distribuídos e também escreve livros com uma energia meio produtividade/autoajuda.

ele já foi best-seller do New York Times, e os títulos dos seus livros são algo do tipo “Trabalho Focado”, “Um mundo sem e-mail”, “Study hacks”, e coisas generalistas do tipo. eis que um deles me chamou atenção: “Minimalismo Digital — Para uma Vida Profunda em um Mundo Superficial”.

antes de mais nada, um pequeno disclaimer: particularmente, eu acho que o maior problema dos livros de autoajuda é também a maior qualidade dos livros de autoajuda: a simplicidade.

é pra quem tá afim de ler sobre um conteúdo rápido de digerir, que pode trazer algumas reflexões, mas lembrando de ter cuidado com argumentos que podem ser simplistas demais, ou até mesmo falaciosos.

DITO ISTO, eu terminei o livro e quero trazer aqui algumas reflexões.

redes sociais e minimalismo

o livro trabalha com a dicotomia superficial X profundo, bem padrão pra falar de redes sociais, e tenta relacionar ela com a dicotomia padrão do minimalismo: pouco X muito. e vamos de Descartes:

Newport argumenta que os minimalistas passam muito menos tempo conectados que o resto da população, e que hoje em dia isso é visto como extremista. e que essa percepção é invertida: na verdade, extremo mesmo é o tempo que todo o resto do mundo perde olhando pro celular.

Os minimalistas digitais veem as novas tecnologias como ferramentas a serem usadas para viabilizar as coisas que valorizam profundamente — não como fontes de valor em si. Eles não aceitam a ideia de que oferecer algum benefício pequeno seja justificativa para permitir que um serviço sugue a atenção de sua vida.

segundo o autor, a gente enfia esse tanto de informação goela abaixo pra preencher o vazio de uma vida sem lazer de qualidade… em vez de estar fazendo poucas coisas com qualidade. talvez o minimalismo digital seja um pontapé inicial pra gente pensar sobre essa tentativa de resgate do nosso tempo e da nossa atenção. tecnologia como meio, não como fim.

Precisamos de uma filosofia que devolva o comando de nosso cotidiano às nossas aspirações e valores, ao mesmo tempo em que destitua os caprichos primordiais e os modelos de negócios do Vale do Silício desse papel

benefícios percebidos

às vezes a gente é tão atropelado pela tecnologia que a gente esquece de se perguntar porque a gente precisa dela em primeiro lugar. e essa pergunta é essencial. qual benefício as pessoas enxergam na hiperconexão? por que elas continuam cronicamente online?

a primeira coisa que a gente tem que considerar é que as pessoas têm boas intenções: a maioria cria contas pra manter contato com amigos, acompanhar novidades de familiares distantes, saber das notícias do mundo…

lembre aí que as primeiras redes sociais apresentavam muito pouco feedback, eram voltadas pra posts, comunidades e obtenção de informação. a era pré-feedback das redes sociais tem características que a maior parte das pessoas cita quando diz porque as redes sociais são importantes na vida delas.

acho que reconhecer a intenção das pessoas (individualmente ou como coletivo) é importante porque é muito comum que a gente culpe a sociedade civil por problemas que na verdade são gerados por grandes corporações. sabe quando falam pra você economizar água quando escova o dente, enquanto milhares e milhares de litros de água são poluídos e desperdiçados diariamente por indústrias enormes? então.

nesse sentido, acho que Newport tem bastante cuidado com o próprio discurso. ele tira a culpa do vício em telas da sociedade civil, e responsabiliza organizações multibilionárias que investem dinheiros e dinheiros pra que a sociedade civil fique de fato viciada. algo bem parecido com os argumentos de Jaron Lanier.

As pessoas não sucumbem às telas porque são preguiçosas, mas porque bilhões de dólares foram investidos para fazer com que isso seja inevitável. […] O uso compulsivo não resulta de uma falha de caráter, mas da realização de um plano de negócios significativamente lucrativo.

naturalmente, não é uma coincidência: existe um modelo de negócios por trás. os benefícios das redes sociais (do jeito que a gente vive hoje) são percebidos pelas pessoas de uma forma, mas são vividos de outra forma completamente diferente. o fato é que conversa real leva tempo, e o número de pessoas com quem a gente pode ter conversas reais é significativamente menor do que o de pessoas que a gente pode seguir nas redes, curtir e retuitar. o tédio é induzido.

Os jovens temem que mesmo a desconexão temporária os faça perder algo melhor que poderiam estar fazendo. Os pais temem que seus filhos não consigam achá-los em uma emergência. Os turistas precisam de instruções e recomendações de lugares para comer. Os trabalhadores temem a ideia de serem necessários e estarem inacessíveis. E todo mundo secretamente teme sentir tédio.

e aí chega o smartphone

o smartphone é tipo o cavalo de Troia da economia da atenção: ele atingiu lugares que revistas, outdoors, programas de televisão e jornais nunca conseguiram. diferente do computador, o smartphone é onipresente. a popularização dele mudou completamente a proporção das coisas. o celular não só coloca o todos os anúncios do mundo dentro do seu bolso, como também consegue coletar suas informações e preferências 24h por dia.

toda hora é hora de olhar o celular e conferir o que tá rolando no feed. e perceber como isso é diferente da nossa relação com um notebook ou um computador de mesa pode ser interessante. uma opção que Newport traz, depois de sugerir várias vezes pra você largar tudo e virar um eremita, é que você desinstale os aplicativos no seu celular e use as redes sociais apenas pelo PC.

conclusão sobre a leitura

o livro prega umas metodologias meio compulsórias de largar o smartphone. sabemos que nem todo mundo tem o privilégio de ficar longe do celular, ainda mais quando o mercado cada vez mais incorpora a necessidade de estar online e de trabalhar pelas redes, ou quando as cidades tornam cada vez mais difícil manter contato com pessoas amadas sem enfrentar horas de trânsito. sei lá, acredito muito no que faz sentido pra cada um.

nosso cérebro foi colonizado, e isso é um fato. talvez seja simplista demais largar tudo, mas também é simplista demais só aceitar que roubem o nosso tempo sem nenhuma resistência.

pelo menos dá pra refletir sobre desinstalar aplicativos e acessar as redes sociais pelo PC. ficar longe da versão mobile das redes te poupa uma parte significativa do seu tempo e da sua atenção, sem que você precise necessariamente largar esses serviços.

é só parar de levá-los pra todo lugar que você vai ✨